Giovanna Brito
3 min readAug 25, 2022

Amarela Paixão

“Amarela paixão, pegou minha mão e disse
Que eu era a mais linda canção, dúvida não existe
Assim com tempo para respirar
Afogo teu sono de manhã, ponho os meus pés nos seus
Afins você e eu, com tempo pra ficar
Rimar de dois com dois, para às 3h, dar pé na maré
Me somar para depois ser o que eu quiser”

Liniker

Gostava de escrever minha história no pretérito perfeito do indicativo. Falar do que aconteceu como se eu tivesse alguma certeza de onde estava, para onde iria, qual sentido escolhi. É que no final do capítulo a narrativa é sempre mais concatenada, buscamos e encontramos sentidos que talvez, durante a história, estivessem ocultos.

Bem, hoje escrevo sobre o que me aconteceu, mas também sobre o que tem me acontecido. Isso dá espaço para um tanto de incertezas.

Estive andando por aí, caminhando pelos mesmos parques, cuidando das mesmas plantas, me movendo a partir de motivações antigas, até que abri uma porta que abriu dentro de mim uma porta para um grande corredor. Nele, encontrei várias outras portas — pequenas, longas, regulares, coloridas, modernas, de vidro, de madeira grossa, pesadas — tinha de todo tipo. Sabia que passaria algum tempo para desbravar o que encontraria em cada uma daquelas portas. Por isso que escrevo também em gerúndio — estive abrindo.

Uma das portas que abri recentemente era amarela, de madeira, fechadura antiga, recentemente pintada. Tinha traços grossos. Na verdade, não a abri. Bati na porta, uma moça abriu. Essa moça, preta, retinta, de olhos ainda mais escuros que sua pele, me olhou com ternura. Antes mesmo que ela me convidasse a explorar o que havia naquela porta, eu lhe mostrei a porta que tinha aberto o caminho para me levar até a dela, quase justificando tudo que havia me levado até ali. Fomos passeando então por aquele corredor: lhe mostrei cada uma das portas novas, me demorei mais naquelas poucas que já havia aberto. Nas outras, fui sincera: não sei o que haverei de encontrar aí dentro. Lidamos com essa incerteza.

Voltamos para sua porta. Ali dentro, encontraria seu mundo, ela me disse. Não deu tempo de sentir medo ou receio. Olhei para seus olhos, estávamos como encantadas, e ela me convidava. Demos as mãos e fomos. Ela me levava por caminhos nunca antes percorridos por mim, lugares nunca visitados, porém familiares para ela. Eu, encantada, queria estar com ela, desbravando esses novos lugares, percepções de mundo, formas de sentir. Éramos muito diferentes, eu e ela, disso sabia desde o primeiro momento. Encantada, só conseguia ver beleza em tanta diferença. Ela era uma moça forte, firme. Era difícil que qualquer coisa ou pessoa lhe derrubasse. Às vezes, porém, os pesos que recaíam sobre si eram pesados demais, então não conseguia sair da cama. Se via imobilizada, apática, sem ver condições de continuar percorrendo os seus caminhos. Tudo pesava demais. E eu estava lá, com ela, quando ela não queria se mover também. Desde que bati naquela porta, tiveram tempos de maior delicadeza e cuidado. Tempos em que eu não pude bater na porta. Tempos em que era preciso falar baixinho, passar um bilhete por baixo perguntando se eu poderia entrar. Tempos em que nos perguntamos se ainda havia realmente algum sentido para dois caminhos tão diferentes ousarem se cruzarem. Tempos em que quase tivemos certeza de que esse sentido não existia.

E, de fato, não existia, no passado. Existe, hoje. Nesse caminho indicado por esse sentido, eu preciso reconhecer o que há de diferente entre nós duas com menos encantamento — para que o caminho seja de concreto e não uma abstração. Eu, porém, não perdi o canto. Há algo de amorosidade quando duas portas se abrem e duas pessoas se encontram. Esse algo de amorosidade que parece ter me levado para aquela porta, como um vento que sopra silente, hoje parece morar dentro de mim. Parece ser o que me faz querer bater naquela porta todos os dias, abrir os olhos para além do que já enxergo, me abrir a novos sentimentos, ideias, lugares.

A moça que despretensiosamente abriu a porta sorri largo quando me vê. Eu sorrio largo com ela. Invento, me desmonto, me faço palhaça, modelo, criança, colo. E também mulher, desejo, prazer. Momento e caminho. Caminho e estrada, mas também céu, sonho, família (…)

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vão

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