Aterrar

Giovanna Brito
2 min readJan 4, 2022

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“Sempre que apresso o passo

Esqueço de amar”

Solenemente, o momento presente revoga seu papel. Há tempos encontrava-se desprezado pelas idealizações criadas no passado do que seria o hoje. Poderia ser, mas não é. Depois de uma sucessão de mudanças, o que ele é agora? O que sou agora? Me sinto como no momento após uma forte de tempestade de água, depois granizo, depois trovão, depois areia, depois um grande tempo de sol. No estampido que não é silêncio, nem ausência, nem luz, nem trevas, mas exige e traz calma, contemplando o multicolor de uma paisagem interior povoada pelo excesso de barulhos que me envolveram. Olhos abertos, bem abertos, tentando apreender uma realidade do que não se disse ou entendeu, mas se sentiu.

Quais sentimentos atrapalham a razão? Quais razões atrapalham os sentimentos? Quais afetos estão represados e bloqueados pelas defesas que determinam o nosso possível? Quais afetos estão represados apenas a esperar o que há de vir?

As coisas são como são. Ainda assim, quem determina a realidade das coisas é o olhar. Meu olhar. Os caminhos são como são, mas quem valida a existência deles como caminho é o meu percorrer. Se não, são só rotas possíveis. Ilusões. Agora, pois, que as abandonei, sinto que aterrisei. Os joelhos ainda ardem da queda ao aterrisar. Ardem, só eu sinto. Crescer é assim, acho. Só eu sei. Algumas solidões revogam seu lugar de ser. Crescer é uma delas, é só. A maturidade é só minha. O custo sou eu quem pago, ainda que os frutos possam ser compartilhados.

Há de se aprender a viver e morrer a vida toda, dizem. Há de se aprender quando ser mosteiro e quando ser trincheira durante a batalha interior toda, digo.

Bem. Por vezes sou dominada por trevas. Os outros também. Eu sou como os outros, mas também sou só eu. Há de se aprender a vida toda quando recorrer à própria luminosidade interior e quando pedir pra que outros acendam a luz.

Se a realidade, pois, depende do olhar, digo o que vejo: a esperança exige a opção de não se apegar às frustrações; ao que poderia ser e não é; à maldade lacerante que se esconde em nossas desordens; ao sufocamento de se ver ferido e ver que se fere.

Solenemente, o momento presente alterna entre dor e luz. A dor, quase sempre, tenho a visto acompanhada do amor. Qualquer tipo de amor. O amor de quando me permito ser tocada pelo sofrimento do outro: dói. O amor de quando me permito ser tocada novamente: dói. O amor de querer tão bem alguém que dói a possibilidade da outra pessoa estar sofrendo.

Me exponho, então, novamente, ao momento presente. De fato, na realidade das coisas. Presente em mim, pele exposta a ser tocada, a queimar onde se toca, a ser consumida, isto é, transformada por quem toco, por quem amo, em quem amo.

Me abro, portanto, arrisco novamente uma possível ferida.

Possível fogo.

Possível mudança.

Possível cura.

A gente sempre ressurge mais do que queima, dizem.

Das minhas possibilidades para a realidade, faço da esperança coragem.

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