Do cansaço
Me desculpa, menina, pelo tempo que te deixei sozinha numa dessas ruas dos muitos caminhos que eu percorro porque preciso. Me desculpa, meu corpo, pela ausência de mim mesma para realizar tantos projetos, tantos desejos, encontrar tanta gente. Me desculpa, minha alma, por ter te privado do direito da lágrima, do canto e do encanto, da brisa e do respirar calmo e sereno, do apreciar os sabores. É que sou lenta em entender que não há encontro com o outro se eu estiver desencontrada de mim mesma.
Descansa agora, meus braços, cansados de tanto receber, suportar, fazer, entregar, resolver. Descansa agora, minha mente, de tudo o que estivemos tentando desvendar, entender, decidir — descansa, pois sem paciência dificilmente conseguiremos enxergar as sutilezas que são essenciais para a vida ganhar forma. Descansa, meus olhos, para ver com a verdadeira luz aquilo que já foi exposto.
Ocupa esse espaço caro onde cabe apenas a ti mesma, onde pertences apenas a ti mesma, de onde tantas exigências autoimpostas ou aloimpostas parecem querer te tirar. E, antes de quereres pertencer a algo ou a Alguém, ocupa-te de ti mesma, só assim poderás saber o que tens a dar de ti. Te imploro: para, mulher, em contracorrente a essa avalanche de afazeres que parece te fragmentar em tantos eus — menina, mulher, médica, filha, vivente, esposa — e reconhece, quase como um ato de rebeldia, que és uma coisa só.