Da solidão

Giovanna Brito
3 min readJul 26, 2020

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Carneiros, mesa, trabalho
Meu corpo que cai do oitavo andar
E a solidão das pessoas
Dessas capitais” Belchior

“Sua virgindade consistiu em cavar e cavar sucessivas profundidades terra adentro e terra abaixo, até tocar o coração do mundo, sem deixar em sua passagem nenhuma raiz, nenhuma semente. Consistiu em enviar ao deserto as fragrantes ilusões, as promessas de juventude, a rosa do amor, o calor das ternura e e ficar a sós embaixo de um sicômoro, desabitado, apaziguado e vazio. Consistiu em ficar no Porto e ver os navios saindo para o mar, nos confins do mundo, não para brandir espadas nem conquistar reinos, mas para construir ninhos, regar ilusões e abrir os leitos da vida. Sua virgindade consistiu em atravessar uma noite fria, solitariamente, como os antigos combrebream levando na mão só uma lâmpada de tênue luz. Lançou pelos ares as monarquias levantadas sobre rosas, e ele ficou, solitário como uma pequena planta desamparada no meio do temporal, sem apoio nem abrigo. As emoções humanas que, por si, são clamorosas, em seu coração solitário ficaram em calma, como uma chama apagada. Vazio, solidão, vazio, nada.” O pobre de Nazaré, pg 30

O que sei, o que experencio, o que sofro e o pulsar das pancadas do coração dentro de mim que, ora lento, ora acelerado, ora sem saber como bater, porém sempre batendo, me manda em frente, avante, não importando o que se passa, tampouco o que passou. Listas, solidões, demandas, responsabilidades, caminhos. Medos e deles suas ilusões e fugas. Tentativas de planejamento e de controle da própria vida, em vão. Aspirações de um coração que muito sustentou só, mas apoiado em muitos. A fortaleza de uma mulher que aprendeu a confiar em si, a escutar as batidas, a decantar os sais das correntes avassaladoras que a tomam. Qualquer corrente, por mais forte que seja, evapora quando entra num deserto vasto e quente.

E novas configurações que surgem a partir de uma solidão que não é só. De depois que as correntes evaporam. De uma solidão que entrega os medos, as luzes, as certezas, as capacidades e as incapacidades. A esperança, a alegria, a poesia, as angústias e o cansaço. Que decantam. O encontro com um Deus que acompanha. Que faz os sais que não são dEle evaporar e dá um novo sabor às águas.

E o entendimento de ser copartícipe do mistério, de uma vida além da velha vida que possuo e conheço. Deixar que o desejo de ser feliz e amada se configurem no desejo de fazer a vontade de Deus e me deixar amar pelo Cristo. Configurar esse desejo ao desejo de amá-Lo com todas minhas forças, com minha alma e de todo coração. E então ir me educando a solidão, a ponto de até mesmo desejá-la, essa solidão acompanhada.

Deixar-se encher de Deus, até que transborde para humanidade. Entender que a doação nunca é tirar de si, mas um esvaziar-se para, a partir encontro com Deus, transbordar. Por isso voltar sempre a fonte, deixar que ele preencha. Se esvaziar de tudo e de todos, dos sentimentos, das aspirações, dos desejos, até sentir a sede de Deus. O único desejo perene e a fonte de todos as outras sedes. Deixar que o desejo de Deus seja de Deus. Dar a Ele o que é dEle, o que sempre foi dEle. Restituir a Deus aquilo que Ele me deu, a sede dEle. Ser movida pela sede. Até que, consumida pela sede, eu encontre perene e profunda como é, a fonte. Ele, o Senhor de minha vida.

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