Fragmentos
Como boa contadora de histórias (tenho me descoberto nesse ofício), aprendi a observar os detalhes. A troca de olhares, a forma de se sentar diante do outro, a forma como o outro se movimenta, suas respirações. Tenho aprendido, também, a observar os meus detalhes.
Nessa de ir observando os detalhes para, como quem monta um mosaico, conseguir ver o outro como um todo, me confrontei com os fragmentos que montam meu mosaico também. Ora, sou uma mulher fragmentada, disso tenho consciência. Encontrei dentro de mim alguns fragmentos diferentes, que até então não tinha visto. Alguns, tinha visto e negligenciei. Pois bem, essas partes de mim, que também sou eu, vieram reivindicar seus lugares, uma vez que decidi falar em alto e bom tom que meu projeto é ser uma mulher inteira.
Diziam-me: “como é que você vai ser inteira sem mim? Como é que vai ser você se não consegue tocar e se apropriar de quem nós somos?”
Assim, fui permitindo, não sem muita resistência, confesso, que esses fragmentos fossem se integrando a quem eu sou. Para meu desespero, o novo mosaico que foi se formando parecia muito diferente daquele que conhecia. Aos poucos, o desespero foi se tornando encanto ao descobrir cada pedacinho daquilo que eu vinha a chamar de “eu”. A medida em que as pecinhas foram se encaixando, senti como se tivesse crescido demais, como se meu centro de massa houvesse mudado de posição. Me sentia meio desequilibrada, cambaleando, incapaz de andar em linha reta. Bem, naquela linha reta que eu havia desenhado para mim mesma como “meu caminho”. Precisei, para reencontrar o equilíbrio, mudar um pouco a rota e, para isso, mudar um pouco a angulação dos meus olhos para enxergá-la.
Bem.
Senti-me insegura e sozinha em cada um desses movimentos. Naturalmente, são processos só meus. Naturalmente, enxergar o que antes eu me esforçava para não ver assusta. É sempre incômodo esse confrontar-se consigo mesma.
Graças a Deus, que me fez uma mulher corajosa, consigo empreender esse combate. Deixar que a mulher nova tire as coisas do lugar. Afinal, como boa contadora de histórias, percebo que é impossível contar a minha com uma só narrativa, de uma mesma perspectiva – perdia muitos detalhes.