Toda mulher
Transito, diariamente, entre as minhas vulnerabilidades e a dos outros.
Mulher, 55 anos, analfabeta. Vivia o silenciamento literal. Não falava enquanto seu marido estava junto. Quando o marido saíra, revelou: sofro muito porque ele me trai. Meses depois, teve um acidente vascular encefálico e fica acamada. Quem passa a cuidar dela são a irmã e a filha. Os homens estão por ali, mas não cuidam.
Mulher, 38 anos, psicóloga, independente. Criada por pela sua mãe e sua avó, que deram tudo pela educação dos seus filhos. A avó, uma das mulheres mais lúcidas que conheci. Dessas que são a sabedoria dos livros encarnada. A mulher também tem um acidente vascular encefálico e fica acamada. A avó cuida, a mãe retorna de São Paulo para cuidar dela. Articulam o possível e pouco provável. Em meses, ela volta a conseguir ficar sentada, o que antes parecia impossível.
Mulher, 45 anos, desempregada desde que a mãe faleceu. A mãe era alcoolista, sua infância foi marcada por uma série de violências, que os parceiros perpetravam em sua mãe e nela. Sua mãe também se tornara violenta com ela. Conheceu, de fato, a mãe somente na velhice, depois que ela se tornou dependente dela e deixou de beber. Uma década depois, tem coragem de entrar no consultório e dizer que sente falta da mãe que nunca teve. E que não gostaria de ser como essa mãe para os seus filhos.
Eu, na cadeira ao lado, olhando as situações como médica de família, no papel de terapeuta que me cabe. Em outro lugar, mas não invulnerável. Sinto, lá dentro, o desamparo nas situações com as quais tento lidar sozinha. Lembro que ninguém, também eu, dá conta de lidar com tudo assim, só. Preciso de que alguém cuide, dê suporte, dê carinho, dê abrigo.
Todo mulher precisa de uma mãe.